Aos olhos de quem vive.


Meu olhar nunca foi de esperança, tive que conhecer as dificuldades da vida muito antes do tempo. Casa boa pra morar, eu não tenho e meu prato está sempre cheio de fome. Como posso ter um olhar de esperança se tive que me desligar do mundo mágico e imaginário infantil pra sofrer com a dura realidade em que vivo? Eu nunca sonhei com isso e tenho certeza que não mereço sofrer assim. Sou só uma criança querendo ter momentos de criança, querendo ser cuidada, querendo estudar, querendo oportunidades de crescimento. Não vou negar, às vezes eu brinco um pouco com brinquedos que eu mesma invento, mas isso é raro, pois na maior parte do dia estou trabalhando. Eu não gosto de trabalhar, só faço pra ajudar em casa com o pouquinho que ganho, aliás, as vezes não tenho nem muita noção do que estou fazendo, apenas mandam e eu obedeço. Lembro que minhas mãos eram bem macias e hoje são ásperas e cheias de feridas, mas nem ligo, já me acostumei.
Nunca ganhei uma roupa nova, as minhas são sempre velhas, mas sabe, quando chegam com roupas velhas aqui eu fico muito feliz, pra mim vem como se fossem novinhas. Eu e meus irmãos sonhamos com o natal, dizem que tem um velhinho que visita as crianças e da um monte de presentes nesse dia, mas por aqui ele nunca apareceu. Ouço falar também numa política, meus pais dizem que ela é uma esperança pra gente, mas o negócio é que ouço falar nela desde quando eu era bem mais pequenininha e até agora não mudou muita coisa, só sei que eu continuo esperando, cansada e com muita fome. Mas quem sabe né, só me resta esperar, pra que talvez um dia eu consiga mostrar no meu olhar a esperança que eles dizem que eu sou.


(Kennya Cerqueira)

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